Fomenta Rio, a agência da prefeitura que ruma para reforçar salário de secretário em R$ 38 mil
Em um evento realizado em junho do ano passado, no Museu do Amanhã, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, reuniu empresários para anunciar a criação de uma agência com o nobre objetivo de impulsionar o crescimento econômico da cidade: a Fomenta Rio. Na teoria, tudo perfeito. Era a primeira estatal a ser enquadrada numa Lei de Responsabilidade aprovada em 2016, que exige critérios técnicos de nomeação e compromisso com a transparência. O estímulo a pequenos empreendedores seria um dos seus principais focos.
Quase um ano e meio depois do lançamento, porém, a agência fechou, no mês passado, seu primeiro contrato numa área que parece condizer pouco com seus objetivos: a exploração de um sistema de controle informatizado de empréstimos consignados. Uma conturbada licitação terminou com a vitória da Neoconsig, que tem matriz em Curitiba (PR), e traz um histórico recente de problemas em outros locais de atuação.
A parceria com a Fomenta Rio não dá para a empresa vencedora a garantia de acesso aos consignados de milhares de servidores da prefeitura, mas pode ser um bom diferencial para uma atuação futura neste lucrativo mercado. E, assim que essa tabelinha começar a gerar receita, o diretor-presidente da agência poderá ser muito bem remunerado: salário extra de R$ 38,6 mil. Quem é ele? O secretário de Fazenda de Crivella, César Barbiero.
Registro em janeiro deste ano
Apesar de ter sido lançada em junho do ano passado, a Fomenta Rio só passou efetivamente a existir em janeiro de 2019, quando foi registrada na Junta Comercial a sua ata de constituição. E é desse documento o trecho acima, que trata da remuneração da diretoria. Como também faz parte do Conselho de Administração, o secretário de Fazenda poderá ter, em breve, um ganho extra que passará dos R$ 40 mil mensais.
Em outubro passado, o vencimento bruto de Barbiero foi de R$ 37 mil. Em valores líquidos, o auditor aposentado da Receita Federal recebeu R$ 27,2 mil no comando da Secretaria de Fazenda. Ou seja, assim que a Fomenta Rio pegar no tranco, ele poderá mais que dobrar o valor que recebe. O blog questionou a assessoria de imprensa da prefeitura se tais ganhos poderão ser enquadrados no teto dos servidores, mas não obteve resposta.
De acordo com o site da Fomenta Rio, ainda compõem a diretoria da agência Rosemary de Azevedo Carvalho Teixeira de Macedo (Jurídico); Leonardo Elia Soares (Inovação); André Azevedo de Albuquerque (Administrativo e Financeiro); e Carlos Alberto Kerbes (Vice-Presidência). Para eles, está prevista uma remuneração de R$ 34,3 mil assim que a agência gerar a receita suficiente. Destes, ao menos um abriu mão da remuneração mesmo que haja receita: Rosemary de Macedo.
Kerbes, como o blog noticiou mês passado, tem no currículo uma condenação em primeira instância por um crime fiscal milionário em Santa Catarina. E ganhou ainda o cargo de diretor-presidente da Companhia Carioca de Securitização (Rio Securitização).
A conturbada licitação
Curiosamente, foi exatamente Carlos Alberto Kerbes quem comandou todo o processo de licitação do primeiro negócio da Fomenta Rio: a parceria para a exploração do sistema de controle de empréstimos consignados.
O primeiro edital da chamada pública, modalidade de licitação usada, foi lançado no último dia 10 de julho. Pouco menos de um mês antes, o Conselho de Administração da agência, que é comandado pelo ex-presidente da Associação Comercial do Rio Paulo Manoel Protásio, se reuniu para aprovar a realização da concorrência. A ata foi publicada em Diário Oficial.
Em 22 de julho, as propostas de três empresas foram lançadas. Quem apareceu em primeiro lugar foi a Comtex, que há vários anos já administra o sistema de consignados dos funcionários da prefeitura. Em seguida, vieram a Neoconsig e a Zetrasoft.
Alegando vícios no processo, a comissão comandada por Carlos Alberto Kerbes decidiu suspender a licitação, que seria retomada posteriormente. Mas isso não ocorreu.
Recomeço do zero
Em 12 de agosto, um despacho publicado por César Barbiero, secretário de Fazenda e presidente da Fomenta Rio, autorizou a realização de uma nova concorrência, começando do zero. Não houve, porém, a publicação em Diário Oficial de uma nova ata do Conselho de Administração que embasasse a medida.
Nesse segundo edital, houve mudanças como, por exemplo, a retirada de um trecho que proibia o uso de documentos rasurados entre os atestados apresentados pelas participantes. A Neoconsig usou documentos com rasura.
Nesse novo processo licitatório, a Comtex acabou eliminada por uma questão técnica levantada pela Neoconsig e aceita pela comissão comandada por Carlos Alberto Kerbes.
Em 16 de outubro, foi publicado o resultado, dando a vitória à Neoconsig. A Zetrasoft havia oferecido à Fomenta Rio uma participação de 40% nas receitas oriundas da parceria. Sua concorrente ofereceu apenas 20%, mas levou o contrato graças a um sistema de pontos que levou em considerações outros fatores técnicos.
TCM pede explicações
Uma outra curiosidade dessa licitação foi que a ata de uma reunião do Conselho Administrativo da Fomenta Rio, que autorizou a assinatura da parceria com a Neoconsig, ratificando o resultado da concorrência, teve a publicação omitida no Diário Oficial de 17 de outubro. Isso só ocorreu na última quinta (14).
Pelo que consta em Diário Oficial, teriam assinado a ata Paulo Protásio, César Barbiero, Carlos Roberto Andrade Guerra, Marcus Vinícius Belarmino Souza e Carlos Alberto Kerbes. O blog pediu à prefeitura cópia do documento com a assinatura dos participantes, mas não obteve retorno.
Esta semana, o Tribunal de Contas do Município (TCM) enviou ofício à prefeitura pedindo explicações sobre os procedimentos adotados na chamada pública. A medida foi tomada após pedido da Zetrasoft, que ficou em segundo lugar.
Contrato cancelado em Goiás
Com sede em Curitiba, a Neoconsig se expandiu para outros estados nos últimos anos e vem acumulando problemas.
Este mês, a Secretaria de Administração de Goiás cancelou, a pedido da Justiça, um contrato assinado com a empresa para a gestão informatizada de consignados de seus funcionários. O Ministério Público havia entrado com uma ação alegando que a Neoconsig vinha prejudicando servidores ao cobrar uma taxa de 3% no serviço, o que iria contra um termo de comodato que foi assinado com o governo.
Em outros casos recentes, a prefeitura de Montes Claros (MG) decidiu tornar a empresa inidônea por seis meses, não podendo mais participar de licitações no município até o ano que vem. E, em abril deste ano, a 8ª Promotoria de Probidade Administrativa do Ministério Público do Maranhão abriu inquérito para investigar supostas fraudes praticadas pela Neoconsig em licitações no estado.
Sócio eliminado na prefeitura
A empresa paranaense tem como diretor Fernando Weigert, que também é sócio da Aliás Tecnologia. Ela é investigada por um contrato de gestão informatizada de vagas de estacionamentos públicos em Governador Valadares (MG).
No início deste ano, a Aliás chegou a vencer um pregão da Secretaria de Transportes da prefeitura do Rio para um sistema informatizado de vagas de estacionamento, mas foi eliminada por apresentar atestados considerados inválidos pelo município.
O edital previa uma experiência prévia com a gestão de ao menos 7 mil vagas. Foram apresentados pela empresa atestados de Governador Valadares e de Maceió (AL), mas a prefeitura descobriu que, em ambos os casos, a Aliás nunca chegou efetivamente a esse número. Em Maceió, o contrato foi suspenso após ação do Ministério Público que apontou benefício indevido à Aliás.
Com a palavra, a Neoconsig
O blog enviou por e-mail uma série de perguntas à prefeitura sobre a licitação e sobre o próprio funcionamento da Fomenta Rio, mas não obteve resposta. No mês passado, a página do município publicou texto em que afirma que a agência também será uma das responsáveis pelo projeto labGov.RIO, que seria o “maior centro de inovação da América Latina”.
Já a Neoconsig enviou nota ao blog em que diz que “em nome da transparência e lisura processual que sempre pautaram nossa conduta, já se manifestou em todos os processos apontados pelo blog, nos quais ficaram provadas de maneira inequívoca a atuação escorreita da empresa”.
“Isso é possível graças à adoção de normas rigorosas de transparência e compliance, em conformidade com a normativa do Banco Central e das legislações que abordam as relações entre entes públicos e privados”, afirmou.
“A Neoconsig é auditada pela KMPG, seguindo recomendação da Febraban, tendo alcançado êxito em todos os itens exigidos pela maior entidade representativa das instituições bancárias no país. O rigor técnico e o compromisso público alçaram a Neoconsig ao posto de uma das instituições mais conhecidas do país nos quesitos de seriedade e eficiência, em mais de uma década de atuação”, conclui